segunda-feira, 25 de agosto de 2008

ANTES DO BAILE VERDE (1972)

(Capa da 2ª Edição)

"O conto que dá título ao livro foi um momento em que parti da realidade para realizar a ficção. A história nasceu de uma frase que ouvi numa festa. Aquele berreiro, música alta, eu meio perplexa e ouvi o diálogo: 'Mas ele tinha que morrer hoje? Que inconveniência!' A morte de um homem, que é tão grave, como poderia ser tratada daquele jeito?"

"O menino estremeceu. Sentiu coração bater descompassado, bater como só batera naquele dia na fazenda, quando teve de correr como louco, perseguido de perto por um touro. O susto ressecou-lhe a boca. O chocolate foi se transformando em um amassa viscosa e amarga. Engoliu-o com esforço, como se fosse uma bola de papel. Redondos e estáticos, os olhos cravaram-se na tela. Moviam-se as imagens sem sentido num sonho fragmentado. Os letreiros dançavam e se fundiam pesadamente, como chumbo derretido. Mas o menino continuava imóvel, olhando obstinadamente."

*
"Amuada mas obediente, ela se deixava conduzir como uma criança. Às vezes mostrava certa curiosidade por uma ou outra sepultura com os pálidos medalhões de retratos esmaltados.
- É imenso, hem? E tão miserável, nunca vi um cemitério mais miserável, é deprimente – exclamou ela atirando a ponta do cigarro na direção de um anjinho de cabeça decepada.- Vamos embora, Ricardo, chega.
(...)
- Mas é esse abandono na morte que faz o encanto disto. Não se encontra mais a menor intervenção dos vivos, a estúpida intervenção dos vivos. Veja- disse, apontando uma sepultura fendida, a erva daninha brotando insólita de dentro da fenda -, o musgo já cobriu o nome na pedra. Por cima do musgo, ainda virão as raízes, depois as folhas...Esta a morte perfeita, nem lembrança, nem saudade, nem o nome sequer. Nem isso. "

*
"- Você acha, Lu?- Acha o quê?- Que ele está morrendo?- Ah, está sim. Conheço bem isso, já vi um monte de gente morrer, agora já sei como é. Ele não passa desta noite.- Mas você já se enganou uma vez, lembra? Disse que ele ia morrer, que estava nas últimas... E no dia seguinte ele já pedia leite, radiante.- Radiante? - espantou-se a empregada. Fechou num muxoxo os lábios pintados de vermelho-violeta. - E depois, eu não disse não senhora que ele ia morrer, eu disse que ele estava ruim, foi o que eu disse. Mas hoje é diferente, Tatisa. Espiei da porta, nem precisei entrar para ver que ele está morrendo.- Mas quando fui lá ele estava dormindo tal calmo, Lu.- Aquilo não é sono. É outra coisa."
ilustração retirada do site : http://www.sinestesia.com.br/
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"Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido, via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços.E ali estava sem a menor revolta, confiante. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma certa irritação me fez andar.
— A senhora é conformada.
— Tenho fé, dona. Deus nunca me abandonou.
— Deus — repeti vagamente.
— A senhora não acredita em Deus?
— Acredito — murmurei. E ao ouvir o som débil da minha afirmativa, sem saber por quê, perturbei-me. Agora entendia. Aí estava o segredo daquela segurança, daquela calma. Era a tal fé que removia montanhas…"

*
"– E se não vê a sombra das minhas asas é porque elas foram cortadas.
(...)
Era o círculo eterno sem começo nem fim. Um dia, Gisela diria à mãe qual era o escolhido. Fernanda o convidaria para jantar conosco, exatamente como a mãe dela fizera comigo. O arzinho de falsa distraída em pleno funcionamento na inaparente teia das perguntas, “diz que prolonga a vida a gente amar o trabalho que faz. Você ama o seu?…” A perplexidade do moço diante de certas considerações tão ingênuas, a mesma perplexidade que um dia senti. Depois, com o passar do tempo, a metamorfose na maquinazinha social azeitada pelo hábito: hábito de rir sem vontade, de chorar sem vontade… O homem adaptável, ideal. Quanto mais for se apoltronando, mais há de convir aos outros, tão cômodo, tão portátil. Comunicação total, mimetismo: entra numa sala azul fica azul, numa vermelha vermelho. Um dia se olha no espelho: de que cor eu sou? Tarde demais para sair pela porta afora."

*

"— E você aceita tudo isso assim quieto? Não reage? Por que não lhe dá uma boa sova, não lhe chuta
com mala e tudo no meio da rua? Se fosse comigo, pomba, eu já tinha rachado ela pelo meio! Me
desculpe estar me metendo, mas quer dizer que você não faz nada?
— Eu toco saxofone."

*
"Com um gesto casual, atirei meu paletó em cima da mesa, cobrindo o rascunho de um conto que começara naquela manhã. - Já é tempo de uvas? - perguntei colhendo um bago. Era enjoativo de tão doce mas se eu rompesse a polpa cerrada e densa, sentiria seu gosto verdadeiro. Com a ponta da língua pude sentir a semente apontando sob a polpa. Varei-a. O sumo ácido inundou-me a boca. Cuspi a semente: assim queria escrever, indo ao âmago do âmago até atingir a semente resguardada lá no fundo como um feto."

3 comentários:

Anônimo disse...

eu tenho essa edição!!! =)

Anônimo disse...

eu também, tenho!! inclusive essa é a fotografia do meu livro..hehehehe

Unknown disse...

EU TAMBEM TENHO ESSA EDIÇÃÃO^^
uhulll
eu amo a lygia e amei o blog...parabens...
Ah e diga-se de passagem para mim esse é o melhor livro sabe aquele que muda sua vida?

Um beijos a todos
(ps: comprei o livro em um sebo ele estava praticamente novo e por 10 reias..